São Paulo Paga 40 Vezes Mais por Armadilhas Contra Aedes que Fiocruz Produz por R$ 10

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Na teia de gastos públicos, uma trama intrigante se desenrola na cidade de São Paulo. A Prefeitura desembolsou a impressionante quantia de R$ 400 por unidade de uma armadilha contra o Aedes aegypti, o mosquito da dengue. O custo elevado, porém, revela-se ainda mais desconcertante quando comparamos com uma versão semelhante desenvolvida pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que sai por módicos R$ 10.

A aquisição milionária ocorreu sob a égide da Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde) em março deste ano, totalizando R$ 19 milhões. Este montante representa 28% do orçamento do órgão para 2023. Em contrapartida, o modelo da Fiocruz não possui patente e é implementado em municípios por meio de parcerias com o Ministério da Saúde.

Essas armadilhas caras foram distribuídas em distritos estratégicos, incluindo Itaquera, Brasilândia, Raposo Tavares, Jardim Ângela, Sacomã e Santa Cecília, abrangendo aproximadamente 10% da população da metrópole. Em 2022, esses bairros registraram a maior taxa de incidência de dengue em suas respectivas regiões.

Desde a implantação dessas armadilhas em abril deste ano, até o último boletim epidemiológico da prefeitura, em 19 de setembro, os casos confirmados de dengue na cidade diminuíram 11% em relação ao mesmo período do ano anterior. Porém, lamentavelmente, as mortes atingiram o patamar mais elevado desde 2015.

As armadilhas adquiridas pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) consistem em baldes pretos contendo água, projetados para atrair as fêmeas do Aedes aegypti. O interior do dispositivo contém larvicida piriproxifeno e o fungo Beauveria bassiana, substâncias transmitidas ao mosquito quando ele repousa no local.

Ao alçar voo para longe do balde, o mosquito transporta consigo o larvicida, contaminando outros criadouros e tornando-os inabitáveis para as larvas. Paralelamente, o fungo reduz a capacidade do inseto de transmitir a dengue e leva-o à morte em cerca de dez dias.

Embora essa tecnologia seja fruto da empresa holandesa In2care e tenha demonstrado eficácia em estudos científicos, uma alternativa nacional de baixo custo e igualmente eficaz, denominada Estação Disseminadora de Larvicida (EDL), foi concebida pela Fiocruz Amazônia em 2011.

O princípio básico é o mesmo: um balde de plástico pintado de preto contendo uma malha impregnada com piriproxifeno. A diferença reside no uso do fungo Beauveria, que não está presente neste modelo.

Experimentos conduzidos pela Fiocruz em Manacapuru (AM) e registrados na revista Plos Medicine exibiram uma redução de 80% na população de mosquitos após a utilização das EDLs. Em Tancredo Neves, bairro de Manaus, a mortalidade de larvas saltou de 4% para 75% após a instalação desses dispositivos.

Sérgio Luz, pesquisador da Fiocruz e autor desses estudos, destaca que o custo da EDL não ultrapassa R$ 10, incluindo o larvicida. Ele enfatiza que esse equipamento é acessível, de montagem e uso simplificados, sendo produzido pelas equipes de vigilância municipais.

A Fiocruz e a Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (Unasus) lançaram recentemente uma plataforma online para capacitar agentes de saúde na construção das EDLs.

Surpreendentemente, o secretário municipal de Saúde de São Paulo, Luiz Carlos Zamarco, afirmou desconhecer a tecnologia desenvolvida pela Fiocruz, uma entidade federal de pesquisa. Ele declarou que a prefeitura não recebeu apresentação alguma da Fiocruz sobre armadilhas de larvicida e prometeu se informar sobre a questão.

O projeto para implementar as armadilhas teria sido proposto pela Biovec, uma empresa sediada em Santo André (SP) e autorizada a comercializar os produtos da In2care no Brasil. A empresa ofereceu realizar um teste em um bairro da cidade, que, segundo o secretário, demonstrou redução do número de mosquitos na região de aplicação.

O presidente da Biovec, Caio Petrillo, defendeu a tecnologia vendida à Prefeitura de São Paulo, alegando que não é adequado comparar apenas os custos diretos, mas também considerar o tempo e os recursos humanos envolvidos na produção em larga escala.

Por sua vez, a Secretaria Municipal de Saúde afirma que optou pelo modelo In2care após um processo licitatório, com base em estudos iniciados em 2019 e testes realizados em 2020 e 2021 nos distritos de Cachoeirinha e Brasilândia, na zona norte da capital. Contudo, não forneceu os resultados dessas investigações.

A pasta informa que o modelo da Fiocruz não é comercial nem escalável para projetos de grande porte e que os resultados atualizados das armadilhas serão monitorados durante o verão, quando a proliferação do mosquito atinge seu auge.

Apesar da argumentação da prefeitura sobre a inviabilidade de implementação em grande escala das EDLs, a Fiocruz conduziu projetos-piloto em colaboração com os municípios de Belo Horizonte, Goiânia, Natal, Recife e Florianópolis. Os resultados dessas experiências ainda não foram publicados.

Em São Paulo, servidores relatam dificuldades na manutenção das armadilhas. Agentes de endemia da Covisa que falaram sob anonimato mencionaram que as equipes são reduzidas e incapazes de lidar com a demanda de milhares de armadilhas instaladas, resultando em atrasos na manutenção dos dispositivos. Devido a essa demora, muitos moradores pedem a retirada das armadilhas ou simplesmente as descartam.

O secretário Zamarco, porém, alega que 703 agentes foram contratados pela Covisa no início do ano e que a secretaria não enfrenta problemas significativos na instalação e manutenção das armadilhas, com os munícipes mostrando-se receptivos às medidas de combate à dengue.

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