Uma série de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) tem gerado reações intensas entre especialistas, representantes do Ministério Público do Trabalho, acadêmicos e movimentos populares. A controvérsia gira em torno da chamada “pejotização”, uma prática em que os trabalhadores são contratados como pessoa jurídica, contornando direitos trabalhistas fundamentais.
O tribunal, em uma adaptação de seu entendimento sobre terceirização, tem chancelado práticas que a Justiça do Trabalho considera fraudulentas. O número crescente de processos no STF, solicitando a revisão de decisões trabalhistas que condenam essas práticas, tem despertado preocupações.
De acordo com informações apuradas pelo Brasil de Fato, mais da metade das 6.148 reclamações protocoladas no STF este ano são ações de empresas contestando decisões da Justiça do Trabalho. Esse aumento contínuo desde a reforma trabalhista de 2017 tem chamado a atenção das autoridades.
Diante desse cenário, 63 entidades divulgaram uma carta aberta em defesa da atuação da Justiça do Trabalho, buscando identificar e condenar casos de fraudes trabalhistas. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) está promovendo encontros com ministros do STF para sensibilizá-los sobre a importância desse tema.
Especialistas consultados pelo Brasil de Fato destacam uma ampliação questionável da interpretação do STF sobre terceirização do trabalho. Além disso, o uso indevido de reclamações, um recurso específico do STF, tem acendido o alerta, pois permite que empregadores obtenham decisões finais sem percorrer todas as instâncias judiciais.
O professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP), Jorge Luiz Souto Maior, critica a postura do STF, afirmando que tem acolhido reclamações de forma indevida, invalidando decisões da Justiça do Trabalho. Segundo ele, isso pode comprometer a atuação dessa instância e prejudicar os direitos fundamentais dos trabalhadores.
O impasse teve início após a sanção da reforma trabalhista em 2017, que permitiu a terceirização irrestrita. Com o tempo, as empresas se aproveitaram dessa brecha para contratar trabalhadores como prestadores de serviços, utilizando diferentes formas de contratação, como a “pejotização”. Esse fenômeno, que aumentou desde então, tem levado empresas a recorrerem ao STF para reverter decisões da Justiça do Trabalho.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), José Antonio Vieira, alerta que a revisão das decisões da Justiça do Trabalho pelo STF pode resultar na sonegação de direitos sociais fundamentais.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou um pedido ao STF para analisar essas práticas, buscando estabelecer um entendimento uniforme. O julgamento desse pedido, chamado de Incidente de Assunção de Competência, ainda não tem data definida.
Diante desse contexto, a presidente da Anamatra, Luciana Paula Conforti, destaca que o papel da Justiça do Trabalho é fundamental para verificar caso a caso a situação dos empregados, garantindo a aplicação correta da legislação trabalhista.
A disputa em torno da “pejotização” coloca em xeque a autonomia da Justiça do Trabalho e levanta questionamentos sobre os rumos da legislação trabalhista no Brasil. O debate continua, e a sociedade aguarda uma posição definitiva do STF sobre essa polêmica questão.