Após um poderoso temporal que varreu São Paulo na sexta-feira passada, a distribuidora de energia elétrica Enel, responsável pelo atendimento do estado, enfrenta desafios significativos para restaurar o fornecimento de energia a residências e estabelecimentos. Quatro dias após o incidente climático, pelo menos 200 mil unidades consumidoras continuam às escuras. Isso equivale a aproximadamente 600 mil habitantes afetados pela falta de eletricidade.
A demora na recuperação do serviço é resultado da atual forma de operação das empresas do setor elétrico, que buscam lucro ao prestar um serviço público. Privatizadas a partir da década de 90, essas empresas operam com um quadro reduzido de funcionários e não dispõem de equipes para lidar eficazmente com situações fora da rotina, uma realidade agravada por uma fiscalização federal que se mostra insuficiente.
A Enel, que administra o que antes era conhecido como Eletropaulo, demitiu 36% de seus funcionários desde que assumiu o controle em 2018. Em 2019, havia 23.835 funcionários, entre próprios e terceirizados da antiga Eletropaulo. Em 30 de setembro de 2023, esse número havia caído para 15.366. Essas informações foram divulgadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e inicialmente reportadas pela CNN Brasil.
A falta de trabalhadores adequados resulta em demoras como as atuais para o religamento. Cada etapa fundamental para manter a rede operacional costumava ter equipes dedicadas, mas agora todo o processo é centralizado em um único eletricista, como apontou Esteliano Neto, presidente da Federação Interestadual dos Urbanitários do Sudeste (Fruse). O atraso não se justifica, pois a Enel negligenciou e precarizou um serviço público essencial.
A busca pelo lucro também influencia as prioridades das empresas em momentos de crise. A Enel opta por reativar fábricas antes de bairros inteiros, pois isso é mais lucrativo. Essa discrepância revela a falta de alinhamento entre os interesses da empresa e as necessidades da população.
É importante ressaltar que cortes de energia durante temporais são procedimentos de segurança, mas a situação em São Paulo não é aceitável. A falta de energia poderia ter sido minimizada se a Enel tivesse tomado medidas adequadas de prevenção, incluindo investimento e manutenção regular.
Para Ikaro Chaves, engenheiro eletricista e ex-funcionário da Eletrobras, falta mão de obra para situações de emergência no setor elétrico, e as empresas não investem o suficiente em prevenção. Em São Paulo, a falta de energia está relacionada a quedas de árvores nas linhas de distribuição, algo que a Enel deveria prevenir, mas claramente não o fez.
A responsabilidade pelo problema também recai sobre o governo federal, que historicamente delegou a responsabilidade pelos serviços de energia ao setor privado, em vez de mantê-los sob controle estatal. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável por fiscalizar esses contratos, frequentemente prioriza preços baixos em vez da qualidade dos serviços, resultando na precarização do setor.
A Enel afirmou que suas equipes estão trabalhando continuamente para restaurar o fornecimento de energia para a maioria dos clientes até o final do dia. A empresa priorizou casos críticos, como serviços essenciais e a conexão de locais de aplicação do Enem.
A Aneel e o Ministério de Minas e Energia afirmaram estar monitorando os impactos das chuvas no fornecimento de energia e pediram que a energia seja restabelecida o mais rapidamente possível nas áreas afetadas. O ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Enel explique a interrupção de energia em vários pontos de São Paulo à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).