Neste último final de semana, uma notável virada econômica reverberou em todo o globo, com Brasil e China marcando um capítulo pioneiro na história das transações internacionais. Uma empresa de celulose brasileira e sua contraparte chinesa concluíram a primeira operação comercial realizada exclusivamente com suas respectivas moedas locais, o yuan chinês e o real brasileiro. Esse feito significativo, embora pareça uma transação comum à primeira vista, ressoa com a busca de uma série de nações do Sul Global por alternativas ao dólar americano, que há muito tem sido o protagonista do cenário financeiro global.
Esta notável transação foi selada após a assinatura de um memorando de entendimento entre Brasília e Pequim, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China em abril deste ano. Uma viagem que não só fortaleceu laços diplomáticos, mas também simbolizou o compromisso do Brasil em reduzir sua dependência do dólar.
A discussão em torno de alternativas ao dólar não é uma narrativa recente. Há mais de um ano, o mundo tem sido palco de debates fervorosos, que vão desde a adoção do yuan chinês até mesmo à ascensão da bitcoin como possíveis candidatos à supremacia monetária.
O cerne desse debate, alimentado por temores de que os Estados Unidos possam estar usando o dólar como uma arma em um sistema financeiro global dominado por essa moeda, foi tão atual que se tornou pauta central durante a 15ª cúpula dos Brics em agosto. Na ocasião, as lideranças de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul discutiram a criação de uma moeda comum, uma ideia que, embora não tenha sido oficialmente implementada, permanece na agenda econômica dos países, como destacou o presidente Lula.
“Quem decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como padrão? Por que não foi o iene? Por que não foi o real? Por que não foi peso? Porque as nossas moedas eram fracas, porque hoje um país precisa correr atrás do dólar para poder exportar, quando ele poderia exportar sua própria moeda e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”, argumentou o presidente brasileiro.
As razões para essa busca por alternativas não são apenas econômicas, mas também geopolíticas. Há um coro crescente de acusações de que os Estados Unidos, em seu papel dominante, têm manipulado o dólar em seu próprio benefício em questões de poder global. A guerra na Ucrânia intensificou essas alegações, à medida que as sanções aplicadas contra a Rússia pelos EUA e seus aliados se aproveitaram da onipresença do dólar americano para penalizar Moscou.
Desde a implementação dessas medidas, os principais bancos russos foram excluídos do Swift, a rede global de pagamentos, que conecta instituições financeiras em mais de 200 países. O país também teve suas reservas internacionais congeladas e enfrentou restrições severas em transações em dólares. Em última análise, o sistema baseado no dólar simplesmente não está mais disponível para entidades ou regimes sancionados, como explica Zongyuan Zoe Liu, pesquisadora do Council on Foreign Relations.
Mas a busca por moedas alternativas também é uma resposta aos riscos associados às sanções americanas. Essa é uma realidade particularmente crítica para países que já enfrentaram sanções no passado ou temem enfrentá-las no futuro, à medida que os EUA ampliam sua lista de alvos. De Irã a Venezuela, diversos países se encontram sob pressão de sanções americanas, e a possibilidade de mitigar os riscos associados a elas é um incentivo poderoso para explorar moedas alternativas.
A ascensão dessas moedas alternativas, como o yuan chinês, não se resume apenas a uma questão geopolítica. Há motivos econômicos tangíveis por trás dessa busca, como a redução de custos nas transações internacionais e a minimização dos riscos cambiais. A redução das taxas de conversão e a volatilidade das taxas de câmbio são fatores cruciais que influenciam o valor e o sucesso de moedas em transações comerciais.
Como o dólar alcançou essa posição dominante? A história remonta ao período pós-Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos, em conjunto com a Inglaterra, criaram o padrão ouro-dólar. Esse sistema, forjado pelos Acordos de Bretton Woods, vinculava as moedas de todos os países ao dólar, que, por sua vez, estava ligado ao valor do ouro. No entanto, em 1971, os EUA abandonaram unilateralmente esse sistema, e o dólar tornou-se uma moeda fiduciária, não mais vinculada a um lastro metálico.
Os interesses do Brasil nesse cenário incluem tanto considerações econômicas quanto políticas. Além de reduzir custos e riscos, a busca por moedas alternativas é uma forma de proteção contra ações arbitrárias dos EUA que poderiam prejudicar a economia brasileira, que tem na China seu maior parceiro comercial.
Portanto, enquanto a busca por moedas alternativas ao dólar pode ser vista como uma resposta às políticas americanas, também é uma busca por autonomia e um mecanismo de defesa para muitos países. Nesse cenário em constante evolução, as moedas globais e os mercados financeiros são os campos de batalha de uma nova era nas relações internacionais.